Descrição

Sangue! Palavra tão doce que chega a adoçar os lábios no simples ato de pronuncia-la... Um gole para a eternidade... É com o doce sabor de vitae que queremos nos apresentar. Talvez já tenha ouvido falar de nós, seres das trevas, criaturas da noite, sangue-sugas, vampiros ou simplesmente cainitas , como preferimos ser chamados... Mais um gole da doce vida mortal... As narrativas que se seguem nesse espaço foram deliciosamente escritas com as doces gotas de sangue daqueles que gentilmente (ou não rs ) cederam o elixir das suas vidas medíocres, para que pudéssemos estar aqui, relatando-as para você... Último gole da existência... Seja bem vindo, e cuidado ao caminhar em noites sombrias, talvez seja seu sangue a escorrer pelas nossas presas da próxima vez.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Enzo Donatello Martinelle (Wellington Rafael)

Prelúdio

     Sem dúvidas, este era um dos edifícios mais altos de Belo Horizonte em que estive ultimamente.  No terraço, agachado sobre o parapeito, fiquei observando atento à movimentação lá embaixo, procurando por algum mortal que teria a triste sorte de me servir de alimento por esta noite. Era hora de caçar. De novo.
     Embora estivessem tão distantes – minúsculos, vistos do alto -, eu podia sentir perfeitamente o cheiro inebriante do sangue vivo. Nem o vento forte, ou o ar da noite gélida eram capazes de dispersar o aroma quente, vindo das veias pulsantes das pessoas abaixo de mim. Elas me atraiam como um imã magnético. Era preciso me controlar: A besta não podia retomar o controle sobre meu corpo e, se o fizesse, eu estaria vulnerável.
     Curioso, mais de 174 anos haviam se passado e a bestialidade ainda me assolava. Embora eu tivesse evoluído enormemente quanto ao meu autocontrole, precisava lutar constantemente contra a fera dentro de mim. O frenesi ainda era quase incontrolável. 174 anos, eu disse? Mais de um século se passou depois daquela noite... Daquela maldita noite...
     Voltei meus olhos para o alto. A lua crescente brilhava plena, quase cheia, envolta pelo céu escuro da noite. Esbanjava sua luz prateada, como no passado. Era uma das poucas coisas que não mudavam com o tempo. A metrópole barulhenta substituíra os vilarejos pacatos em que vivi. O mundo a minha volta havia mudado e tudo o que conheci, era ruína agora.
     Um surto de memórias me invadia a cabeça naquele momento. Memórias humanas. Memórias obscurecidas pela perspectiva fraca dos olhos mortais. Em algum lugar da minha mente, ainda residiam as lembranças de uma vida frágil. Periodicamente, elas se sobressaíam em meus pensamentos, como fantasmas do passado, que me atormentavam terrivelmente.
     Perdido em devaneios, comecei a me lembrar daquela vida, daquela cidade, daquele tempo. As memórias que tentei inutilmente esquecer se costuravam agora em meu imaginário, levando-me de volta 197 anos atrás.
...
     Estamos na cidade de Siena, Itália, 1814. Nasci aqui, em uma tarde fria de novembro. Meu nome? Enzo Donatello Martinelle, segundo filho de Valentinna e Enrico Martinelle. Soube que foi um parto difícil. Nos aposentos de um quarto simples, eu ganhava o dom da vida. Dom esse que nunca me foi entregue verdadeiramente.
     Nasci com uma barreira que me separava do mundo exterior. Cresci com uma barreira que me condenaria à solidão eterna. Embora eu tivesse desenvolvido extrema sensibilidade ao sentimento alheio, não podia ser ouvido ou compreendido. Alguma coisa em mim sufocava toda e qualquer possibilidade de comunicação que se fazia possível com as pessoas à minha volta. Eu era um estranho no mundo, que lutava desesperadamente para ser notado.
     Testemunhei o quanto a raça humana pode ser egoísta e cruel. Nenhuma criança queria brincar com o louco. Nem mesmo meu irmão Giovane, sangue do meu sangue, queria ser visto comigo. O esquisito da cidade era a aberração local. Era o alvo. Cresci sozinho, portanto, abandonado a própria sorte.
     Lembro-me bem de quando Giovane ingressou nas forças armadas do país. Meus pais comemoraram tanto a conquista de meu irmão que nem perceberam que fiquei fora durante todo um dia. Mas é claro! Ele era o filho ideal. Correspondia às expectativas. Era um garoto normal. Eu, por outro lado, era um empecilho. Um tormento. Isso ficava claro nas expressões de toda minha família. Seus sentimentos os acusavam e eu percebia cada frustração no olhar de cada um deles. Isso fez com que todo o amor e afeto que ainda restavam em mim fossem substituídos por ódio e rancor.
     Entrei na adolescência da mesma forma que atravessei a infância: sozinho. Contudo, essa época foi ainda pior. Estava eu cheio de dúvidas e incertezas. Temia ser um alguém sem propósito nesse mundo, e isso me abalava profundamente. Guardei comigo cada mágoa que senti. Arquivei cada acesso de fúria que se passava no meu interior. Eu estava em decadência, desde o dia em que nasci.
     A vida prega peças. As pessoas temem o desconhecido como se já soubessem o que ele representa, e se sentem atraídas por ele. Até então, eu não conhecia nenhum sentimento afetivo, mas esse quadro mudaria muito em breve.
     Em uma manhã de 1837, quando tinha 23 anos, e enquanto caminhava com minhas dores pelas vielas estreitas de Siena, vi uma garota que mexeu com todos os meus sentidos. Era alta, magra. Os cabelos negros lhe caíam até a cintura, contrastando com sua pele pálida de damasco. Pela primeira vez, me sentia atraído por alguém, e minha vida tomava algum rumo diferente. A sensação era boa. Fazia com que me sentisse vivo. Decidi que não poderia deixá-la partir.
     Eu a persegui, dia após dia e noite após noite. Descobri onde e com quem morava, qual era sua rotina diária e como se chamava. A propósito, seu nome era Annabella. Minha admiração pela garota crescia fortemente a cada segundo. Eu estava irremediavelmente apaixonado, embora não soubesse realmente o que isso significava. “Que chances eu tenho?” – Perguntei a mim mesmo – “Eu não conseguiria nem ao menos cumprimentá-la”.
     Entrávamos no mês de julho. Era o mês das homenagens à Nossa Senhora em Siena. Todos os anos, um grande pálio era promovido na praça mais famosa da cidade, e milhares de italianos eram atraídos até lá e iam assistir as corridas de cavalo. Era uma tradição que atravessou os séculos. A festa talvez fosse uma boa oportunidade para tentar um contato com ela, imaginei. Dispersos na multidão, talvez não fossemos notados e eu poderia vencer as barreiras psíquicas que me separavam do mundo lá fora.
     Era chegada a noite do grande evento. As ruas de Siena estavam abarrotadas de gente. Pessoas transitavam de um lado a outro, deixando-me desnorteado. A guarda armada atuava prestando vigilância, e os soldados vestidos em vermelho vivo se dispersavam em pontos estratégicos da cidade. A banda militar se encarregava da sonoridade do ambiente que, aliado ao som infernal de várias pessoas conversando ao mesmo tempo, preenchiam o lugar com um verdadeiro caos.
     Caminhei apertado por entre os festeiros. As pessoas empurravam esmagadoramente. Todas buscavam uma posição de valor para assistir ao espetáculo. Eu procurava no emaranhado de rostos presentes na multidão apenas uma feição específica. E continuei em uma busca exaustiva. Eu já associava Annabella como uma propriedade privada. Queria aquela garota loucamente, mais do que qualquer coisa nessa vida. Assisti impotente todo aquele amor se combinar com obsessão. Ela era minha.
     Ao longe, finalmente, avistei Annabella, vestida adequadamente a ocasião. Dirigi-me atônito ao seu encontro, mas antes que pudesse chegar perto dela um cavalheiro elegante a envolveu num abraço apertado. Ele era incrivelmente belo. Tinha uma pele branca de marfim e atraía os olhares de todas as moças presentes. Senti-me como algo insignificante perto de tamanha beleza. Os dois se Beijaram.
     Meu mundo desabava a uns 10 metros de mim. De repente, em 23 anos, encontro uma razão pela qual achava que valia a pena lutar, uma razão pela qual eu ainda me mantinha vivo. E o que acontece? Vejo meus desejos mais remotos se desmancharem, caindo por terra. Acho que meu grande erro foi entrar de cabeça na luta em busca de uma saída. Eu queria encontrar um jeito de sobreviver ao modo como tinha levado a vida até então, mas não pensei em conseqüência alguma.
     No fundo, eu sabia que não conseguiria me comunicar com Annabella. Contudo, senti-me como se aquele cavalheiro estivesse pisando em mim, por mais uma vez, como todos faziam. Meu amor platônico tornava-se fúria em meu coração. Eu estava decepcionado. De todas as formas que alguém poderia estar.
      Corri desesperado pelos becos da cidade. Eu chorava e gritava, proferindo maldições contra todo o vilarejo. Aos poucos, o som da banda foi diminuindo. As luzes foram se enfraquecendo – estavam distantes de mim agora. Eu corria por corredores escuros sem nem me preocupar em como voltaria. Corri e corri, ficando distante o suficiente de minha mais nova dor.
     Só parei quando me dei conta de que as ruas se acabaram: eu estava em um beco sem saída. Joguei-me ao chão, desolado. Escorado na parede de uma casa, fiquei observando a lua branca, que brilhava plena no alto. A luz que emitia deixou o corredor em que eu estava coberto por uma penumbra misteriosa. Eu chorava e o vento forte soprava contra meu rosto, quase congelado minhas lágrimas. Quando percebi, o silêncio pareceu-me absoluto. Eu devia estar muito longe da festa agora, e todos na cidade deviam estar assistindo as corridas. Eu estava sozinho no escuro.
     Havia algo diferente naquela noite densa. O frio fazia-me retorcer os braços. As ruas estavam envoltas em uma aura de mistério e perigo. O vento uivava ao longe e o clima logo se encheu de pânico. As sombras de árvores e arbustos estavam refletidas nas paredes, contra a luz fraca do luar. Tomavam formas aterrorizantes. Tive a impressão de que formavam uma platéia muda à minha frente, mórbida, que se movia de acordo com o que ordenava a brisa noturna. O medo começava a se apoderam de mim.
     Entre soluços, enquanto martirizava o fracasso da vida, ouvi passos distantes se aproximando cada vez mais de mim. Os estalos no chão ecoavam em meus ouvidos, fazendo-me estremecer. Pus-me de pé num salto. Procurei me afastar ao máximo da entrada do beco apertado, me colocando contra a parede. Eu não tinha saída. Se quisesse partir daquele lugar assustador, deveria passar pela entrada, para onde os passos soturnos se dirigiam.
     “De que exatamente estou com tanto medo?” – Me perguntei – “A pior coisa que podia acontecer a mim já aconteceu” – E como eu estava enganado! Pressionado pela sensação de que se não saísse imediatamente dali estaria encurralado muito em breve, resolvi me colocar em movimento. Aproximei-me devagar da única saída disponível naquele momento. Os passos continuavam. Estavam mais perto a cada segundo que se passava. Antes de deixar completamente o local, olhei para os dois lados da rua que cortava o beco. Ninguém estava por perto, mas os passos prosseguiam frenéticos.
     Eu estava apavorado. Como isso era possível? O que eu faria agora? A única idéia que me veio à cabeça foi correr, e o fiz sem me preocupar com o caminho. Corri na direção oposta aos passos. As ruas escuras pareciam mais sombrias do que de costume. Corria desesperadamente, de alguém que eu nem estava vendo.
     Dominado pelo medo, continuei atravessando ruas, entrando em vielas e becos. Percebi que estava perdido. À noite, aquela cidade era diferente. Tomava uma forma sinistra, e eu desejei nunca ter conhecido essa forma. Quando virei uma esquina qualquer, meus olhos se encheram de temor. Há minha frente, pairava uma figura satânica. Naquela noite, deparei-me com meu pior pesadelo.
     Congelei à frente da criatura. Não podia me mover: eu estava tremendo e o pânico tomava meu corpo. Senti uma onda de calor característica do medo e estremeci. A figura era alta, medonha: um monstro. Tinha um rosto cadavérico e grotesco, arquitetado por dentes afiados, garras compridas e um par de chifres assustador. Era a própria encarnação do mal. E o pior, Caminhava tortuoso em minha direção. “É o diabo” – Pensei. Não podia ser outra coisa, julgando-se pela aparência.
     Quando o choque causado pela imagem horripilante finalmente passou, a adrenalina me tomou. Voltei a correr ainda mais desesperado que antes. O monstro, para meu azar, vinha vindo atrás. De tempos em tempos, voltava meu rosto pra conferir se ainda estava sendo perseguido. E estava. A mistura de animal com humano corria de forma surpreendentemente assustadora, emitindo um som bestial. A essa altura, eu já imaginava a morte vindo ao meu encontro. Torci para que se assim fosse, eu partisse de forma não-dolorosa. 
     Eu escorregava, tropeçava em meus próprios pés enquanto corria. Estava ofegante, mas nem o cansaço anulava o desespero da morte que se aproximava, sob a forma de um demônio. Mas enquanto me esforçava ao máximo para escapar do monstro, fui tragado por mãos firmes e frias como aço para um beco ainda mais escuro do que todas as ruas em que estive naquela noite. Fui jogado fortemente contra a parede desse beco. O impacto das minhas costas se chocando contra o muro de pedra causou um barulho estrondoso. Alguém me apertava contra as pedras que compunham a parede.
     A força desse alguém era tamanha que eu não tinha a menor chance de escape. Eu não podia ver quem me segurava. O único movimento permitido ao meu corpo naquele momento era o de voltar minha cabeça para o alto. A lua cheia testemunhava toda a cena. Foi quando senti a pele do meu pescoço sendo perfurada por algo pontiagudo. Tive a certeza da morte, pois sentia minha vida se esvaindo por entre os orifícios feitos em minha carne.
     A perfuração era dolorosa, e foi se tornando cada vez maior. Minha pele estava sendo rasgada e eu não senti o sangue escorrendo. Foi quando percebi que estava sendo sugado, completamente. De repente as pontas largaram minha pele e o alguém misterioso me soltou. Fui de encontro ao chão, sem forças para fazer qualquer coisa. De baixo, vi a lua e vi também quem me pressionou contra a parede. Era um homem elegante e incrivelmente belo. O mesmo que há pouco tempo atrás destruíra meu sonho de amor com Annabella. O mesmo que a envolvera em um abraço apertado e a beijou.
     Do alto, ele trocou um olhar penetrante comigo. Mas antes que eu pudesse tentar pronunciar qualquer palavra de misericórdia, ele se abaixou, e voltou a sugar-me o sangue. Dessa vez, foi ainda pior. A dor pareceu ampliada umas cem vezes, torturando-me ainda mais. E novamente, a única coisa que via era o círculo prateado, brilhando no céu. Eu tentava gritar não de medo, pois sabia que morreria ali. Minhas tentativas frustradas de gritar eram impulsionadas pela dor horrenda. Contudo, os sons que emiti foram apenas gemidos fracos, abatidos pela dor cortante.
     Lembro-me de cair na inconsciência periodicamente. Fechava os olhos e os abria novamente, ainda sob o domínio daquele que me roubava a vida lentamente. A lua me encarando, iluminando meu fraco olhar. Essa seria a última imagem que veria?
     Foi quando os dentes afiados pararam. A dor ainda persistia acompanhada pelo frio da noite. Depois, senti um líquido descer por minha garganta. Tinha um gosto forte de ferrugem. Era desagradável, mas eu não tinha força alguma, nem mesmo para deixar de engolir aquilo. Aos poucos, senti um calor crescer dentro de mim. Em pouco tempo, já estava me queimando. O ardor continuava incessante, e o frio da noite já não me incomodava mais.
     Abri meus olhos novamente. A lua que vi era diferente: estava tingida em vermelho vivo. Estava coberta de sangue. A luz do luar não era mais prata, e sim avermelhada, tingindo o ambiente de escarlate. Enquanto queimava, vi a fera que me perseguiu naquela noite. Ela me olhava fixamente. Agora ela já não me assustava mais.
     A besta foi exalando uma fumaça espessa. Talvez essa fumaça fosse branca, mas se corou de vermelho por ação da lua sangrenta que pairava no alto. O animal foi se tornando a própria fumaça, e evaporou-se como se fosse água. A nuvem resultante foi se aproximando de mim. Em seguida, adentrou-se em minha boca. Senti o animal invadindo meu corpo. Eu havia engolido a besta cruel e perseguidora. De alguma forma, ela era parte de mim agora.
     Voltei o olhar para o vermelho do alto. Senti uma angústia muito grande, sabendo que o mal se fazia presente. A queimação começou a cessar, e eu vi a esfera avermelhada pingando o líquido vivo, cada vez mais e mais. Estava chovendo sangue. Caído no chão, eu gargalhava de prazer e dor. O gosto das gotas já não era tão ruim quanto a pouco tempo, quando comecei a queimar. Na verdade era bom agora. O mal presente deixou de me angustiar. Eu era o próprio mal agora. Quando uma das gotas atingiu meus olhos, caí na inconsciência.
     Eu despertei algum tempo depois. A lua ainda era vermelha. Passei as mãos sobre o pescoço, tentando achar as aberturas da dilaceração que sofri, mas minha pele estava em estado ainda melhor que antes. Percebi que meu coração havia parado. Meus sentidos estavam incrivelmente apurados: Podia ver e distinguir uma infinidade de cores que costumavam passar abatidas por meus olhos. Podia ouvir a festa que acontecia muito distante dali. Podia ouvir perfeitamente as conversações de lá, bem como a música animada da banda. Podia sentir o cheiro das pessoas, o cheiro do sangue... O cheiro do... Sangue.
     De repente, eu estava em alerta. Percebi que estava com uma fome fora do normal. Coloquei-me de pé num movimento veloz, sobrenatural na verdade. O cheiro forte do líquido da vida me chamava. Eu precisava me alimentar e, talvez por instinto natural, sabia que o que podia saciar-me era a seiva humana. Comecei a correr rapidamente na direção da festa. A velocidade absurda com que corria passou despercebida por mim. A besta assumia o comando, controlando cada passo que eu dava.
     Quase chegando a minha parada de “lanche”, fui abordado e lançado ao longe. Desta vez, a pancada brusca não me afetara como havia acontecido mais cedo, e caí de pé. O golpe teria me matado em condições normais, mas eu não estava como antes. Era ele de novo, o homem misterioso de incrível beleza. Senti, por aptidão inata, que devia algo àquela figura, mesmo que eu ainda não entendesse o que havia se passado.
     O animal residente em mim tinha fome. Eu precisava desesperadamente me alimentar, e o respeito que sentia por aquele ser noturno não foi capaz de me conter. Pelo menos não pacificamente. Fui obrigado a resistir e acompanhar o meu novo mentor. Ele fez uso de métodos persuasivos muito peculiares, de modo que, embora lutasse, não pude deixar de obedecê-lo. Esses métodos ainda são parcialmente desconhecidos por mim, mesmo hoje.
     Para minha sorte, o lugar a que fui levado era pertíssimo de onde fui parado. Eu agora entrava em uma casa velha, escura. Quando adentrei, a vermelhidão da lua sangrenta cessou. Alguns humanos rondavam o primeiro andar da morada. A besta tomou fôlego, e eu me prontifiquei imediatamente a atacá-los, sem sucesso. Meu mestre tinha forte domínio sobre mim. Eu era uma marionete.
     Fui encaminhado a um porão coberto pelo breu completo da noite. Curiosamente, a escuridão não me vendava mais. Eu podia enxergar absolutamente tudo o que estava ali. Eu podia sentir a presença de todos que estavam naquele lugar, e senti que havia algo quente ali, dentro daquele cômodo subterrâneo. Algo tão quente quanto os humanos que rodeavam o andar de cima.
     Meu mentor misterioso, calado até então, me indicou a coisa quente que eu havia sentido. Com um sorriso malévolo no rosto, apontou para a mulher, sentada no chão. Encarei aquilo como um sinal de aprovação, e rendi-me por completo a toda ferocidade que me compunha. Naquele momento, eu era um predador, e a humana à minha frente, era a presa.
     Agi puramente por impulso natural. Não precisei realizar esforço algum. Apenas aceitei minha condição animalesca e deixei que ela se apoderasse de mim. Num movimento tão rápido quanto o de uma bala, lancei-me de encontro ao pescoço frágil da mortal. Meus caninos estavam preparados, e perfurei a carne quente e molhada com urgência.
     Acho que nunca havia sentido algo tão satisfatório. O líquido vermelho era como água para um andarilho no deserto. Era como alimento para um morto de fome. Ao mesmo tempo, era como doce para uma criança. Era como chegar à terra prometida para um fanático religioso. Era necessário e, ao mesmo tempo, era o objeto máximo de desejo.
     Quanto mais esvaziava suas veias, mais sangue eu queria. Quanto mais eu preenchia meu corpo com a vida daquela jovem, mais eu desejava que aquele momento nunca chegasse ao fim. O mostro que morava em mim pedia mais. Cada vez mais. O sangue tentava escapar por entre meus dentes e a pele quase morta e, na tentativa de recuperá-lo, eu rasgava ainda mais o pescoço de minha vítima, que gemia enfraquecida.
     Quando finalmente drenei toda a vitalidade do corpo – agora sem vida -, soltei-o no chão. Mais consciente, com a besta mais calma (porém ainda faminta), recobrei um pouco do meu autocontrole. Pus-me de pé e passei a fitar a pessoa inativa caída a minha frente. Disparei a rir loucamente. Gargalhei como se estivesse diante do maior espetáculo de humor existente na face da terra. Não sei exatamente porque achei tanta graça ao ver o corpo inerte de Annabelle jogado ali, cerca de um metro e meio distante de mim.
     Enquanto ria, aquele que me transformara se debruçou sobre o cadáver. Lentamente, lambeu a laceração que eu havia feito na carne agora morta. Confuso, analisei a cena anacrônica, tentando entender o que se passava. Incrível! Vi a ferida se fechar completamente, até chegar ao ponto de parecer que nunca havia sido provocada. Depois do feito, colocando-se de pé, meu mentor se pronunciou, pela primeira vez desde que o conheci.
     Agora ele falava, em tom grave. Ouvi prontamente cada palavra que saía de sua boca. Descobri toda a verdade daquela noite sombria. A partir daquele momento, eu sabia exatamente o que ele era, e em que havia me transformado. Sabia também o quê fazer dali pra frente e quem me instruiria nas noites que se seguiriam. Sabia como agir, e era grato por ter deixado a vida amargurada que possuía. Eternamente grato.
    Embora estivesse condenado perpetuamente à morte, eu seguiria um novo modo de vida (ou seria um modo de não-vida?). Aquele, que nunca fora compreendido, tinha agora uma nova chance, e a usaria da melhor forma possível. Talvez daí partisse a sensação de que devia algo ao meu transformador. Ele me resgatara do mundo cruel que conheci. Salvou-me do mundo da qual nunca fiz parte. E mesmo que eu nem se quer conhecesse a nova realidade a que pertencia, sabia que não tinha absolutamente nada a perder.  
     Eu havia acabado de me alimentar, mas a sede de sangue ainda me causava um forte sofrimento físico. Tinha fome, e era chegada a hora de aprender a lição número um, a lição fundamental, a mais básica e primordial de todas: eu aprenderia a caçar. Passaria por todo o processo de seleção da nova vítima, desde a captura até o descarte. Era minha vez de apanhar a presa, ou melhor, as presas.
     Subi as escadas como um fantasma, acompanhado por meu mestre. Não provoquei o menor barulho. Na sala de recepção, passei pelos humanos que ali vagavam. Passei pelos lacaios – definição que conheci à pouco – pertencentes ao meu senhor. Novamente fui impedido de atacá-los, e a instrução veio alta e clara: “Eu vou precisar destes. Cace lá fora”.  A ordem foi inquestionável. Notei isto porque fui impedido de realizar qualquer movimento que ameaçasse a integridade dos serviçais. E olhe que tentei, e muito.
     Foi a primeira vez que notei a presença de um espelho naquela sala. Aproximei-me do objeto refletor, incrédulo. Tive a impressão de que meus olhos mentiam para mim. O homem (vampiro, como quiser) que tinha a imagem espelhada no vidro era lindo. Fiz algum movimento qualquer pra verificar se a imagem que vi acompanharia meus atos. E acompanhou, simetricamente. Era eu, e estava tão bonito quanto meu transformador, que olhava curioso toda aquela cena. Ele pôs-se em movimento novamente e me vi obrigado a desviar o olhar do espelho e acompanhá-lo, devido principalmente a fome que voltava a crescer em mim.
     Meu criador passou a minha frente e abriu a porta. Estagnei, chocado ao ver o clarão vermelho que se propagava além da entrada da casa. O luar de sangue me aguardava, e eu tive medo. Não queria sair. “Sem medo” – disse o mestre com voz firme, intimidadora – “Eu não criei um covarde, e se o fiz, preciso me livrar dele imediatamente”.
     Espontaneamente, quis deixar aquela casa, como ordenara meu mentor. Senti que se assim não fizesse, seria destruído com a mesma facilidade com que fui transformado. Saí, e a vermelhidão me tocou. Olhei para o alto. No contato visual que tive com o astro ensangüentado, fui incapaz de resistir ao frenesi. Corri, numa velocidade fora do normal.
     Fui seguido por meu orientador soturno, que se mantinha atrás de mim. Quando adentramos um corredor apertado, recebi outra voz de comando. “No alto” – Disse aquele que me acompanhava. Olhei para trás na busca pela compreensão da nova ordem. Mesmo sem ver o caminho à minha frente, o percorri com precisão. O meu senhor saltou sobre uma das paredes do corredor, e quando a atingiu com um dos pés, impulsionou a perna e se lançou a parede oposta, subindo cada vez mais. Repetiu o movimento mais uma vez e depois estava correndo nos telhados dos casarões, exatamente acima de mim.
     O imitei imediatamente. Lancei-me de encontro a uma das paredes e quando a toquei me impulsionei novamente, subindo. Com facilidade, estava correndo paralelamente a meu mestre, no alto. Quando as casas se distanciavam umas das outras, pulávamos habilmente e alcançávamos a próxima. A sensação era inexplicável. A liberdade noturna se fazia presente nos ventos fortes que me tocavam, ou na vista magnífica que tive ao ver Siena de cima.  Eu era independente, ainda que estivesse sob a tutela do vampiro que me proporcionou a vida eterna.
     Parei de repente. Estávamos presenciando a festa de cima da catedral local, imperceptíveis aos olhos humanos. A praça estava lotada, ainda mais do que imaginava. O vampiro misterioso que prestava auxílio em minha noite inaugural deitou-se no telhado inclinado, e passou a fitar o céu. Eu não tinha vontade de fazer qualquer outra coisa que não fosse preencher meu estômago com vida alheia. Estava pronto para saltar dali mesmo, jogando-me contra centenas de pessoas que estariam a minha disposição. Cheguei a me abaixar em posição ofensiva, e notei que a intensidade do luar de cor rubi aumentava.
     “Não é assim que funcionam as coisas. Selecione sua vítima em potencial primeiro” – Orientou-me - “Escolha alguém vulnerável, que esteja distante dos olhares alheios. Leve-o para longe, e termine o serviço.” – Sua voz imponente irradiava sabedoria. Por precaução, achei melhor seguir a risca aquelas recomendações. Lembrei-me do forte poder de dominação e persuasão que possuía aquele vampiro. Se agisse como um animal descontrolado, poderia ser eliminado em minha primeira noite. O único problema, é que eu não tinha tempo disponível para selecionar um na multidão. Se me aproximasse mais de qualquer mortal ali presente, minha fúria aumentaria exponencialmente, e um verdadeiro massacre colocaria em evidência minha mais nova raça.
     Quando me inclinei um pouco mais, a fim de pular e acalmar minha sede, notei uma vítima que representava um sucesso quase certo. Um militar se distanciava do local, adentrando-se em uma viela abandonada. Provavelmente fazia sua ronda infeliz, sem imaginar o que o espreitava. Dei a volta por alguns telhados, e caminhei acima dele. Quando tive a certeza de que estava fora do alcance dos olhos de qualquer testemunha, joguei-me do alto.
     Vi o chão se aproximar com extrema velocidade. Tive a impressão de que não era eu quem me deslocava, mas sim o piso de pedra que calçava as ruas. Cheguei ao solo e o impacto não me afetou. Estava cara a cara com meu mais novo prato da noite. Eu o encarei nos olhos e vi o desespero estampado em sua feição amedrontada. Observei aquele rosto familiar com ódio. Giovane. Era ele o soldado mal aventurado, que teria sua vida interrompida muito em breve.
     “Co... como você fez isso? O que há com você, Enzo? – Gaguejava o orgulho de minha antiga família, preocupadamente. Não dei oportunidade nenhuma para que qualquer outra pergunta fosse feita. Segurei meu irmão mortal pelo pescoço com apenas uma mão, erguendo-o e afastando seus pés da rua. Eu era extremamente forte agora, de modo que não encontrei qualquer dificuldade no ato que fiz. Em seguida, apenas dei lugar ao meu residente interior, que desejava agir com ferocidade. A única diferença nesse meu novo ataque era a vingança, que tornava ainda mais saboroso o aperitivo. Pela primeira vez, Giovane não poderia mais fingir que eu era invisível. Ele me olhava, e eu seria a última coisa que seus olhos veriam.
     Não demorei muito para drenar o sangue de suas veias. Rapidamente, saciei-me com sua vitalidade. A luminosidade avermelhada da lua abrandava-se agora. Quando soltei o corpo flácido, ouvi uma voz imperativa, vinda de trás de mim: “Lição número dois. Nunca deixe rastros de sua passagem, onde quer que você esteja”. Captei rapidamente a mensagem. Debrucei-me sobre o defunto e passei a língua por seu pescoço estraçalhado. Assisti maravilhado à cicatrização espontânea que ocorria à minha frente.
     Naquela mesma noite tirei a vida de mais algumas pessoas, buscando satisfazer meu residente bestial. O luar sanguinário só voltou a ser prateado quando acabei completamente com minha sede vampiresca. A madrugada chegava ao fim e o sol preparava-se para nascer, mas tive tempo de sobra para assistir algumas de minhas vítimas sendo encontradas pelos humanos que monitoravam a noite animada. Meus pais mortais não demoraram a receber a notícia de que seu filho prodígio agora estava morto.
     Valentinna e Enrico – o casal que me trouxe ao mundo - gritavam desesperados, incrédulos diante do corpo estirado na rua. Eu podia sentir a angústia e a dor que partiam deles. Estavam desolados, inconsoláveis. Agora eu sorria, dançando ao som estridente da voz agoniada que saía da garganta de meus progenitores. Não poderiam receber melhor castigo. Teriam que continuar vivendo, mesmo na falta de seu filho querido. Este, por sua vez, nunca mais retornaria para confortá-los. Depois da cena que vi, jamais voltei a procurar meus pais, na certeza de que enquanto vivessem, sofreriam com a perda que tiveram.
     Voltei para o abrigo onde morrera Annabella, acompanhado de meu instrutor. Somente quando chegamos percebi que ele não havia se apresentado devidamente para mim. Perguntei seu nome, mas não consegui resposta alguma. Ele não quis se manifestar também à respeito de seus objetivos, e tão pouco sobre o motivo de ter me escolhido.  Nós nos preparamos para o dia que chegava, e nos ocultamos dos raios mortais disparados pelo sol.
     Nos anos subseqüentes, meu mentor misterioso deu-me toda uma estrutura, toda uma base para sobreviver ao novo universo que eu acabara de conhecer. Ensinou-me tudo o que eu precisava saber a respeito da vida noturna, desde os princípios básicos da existência de um vampiro até os dons que me garantiam um poder sobrenatural; Desde a vida solitária pela qual eu prezava até apoio obrigatório ao clã Malkaviano a que pertencia agora; Desde as tradições da Camarilla até o reconhecimento das seitas e clãs existentes no submundo, bem como suas possíveis hostilidades; Ensinou-me ainda a lutar e a me defender. A me esconder e a sobreviver.
     As noites me mostraram que o astro de prata tinha efeito dominador sobre mim. Na lua cheia, e apenas na lua cheia, meus olhos banhavam-se em sangue. Como conseqüência, me tornava um animal devastador. Os segredos que envolvem esse fenômeno continuariam sem respostas durante muito tempo (e talvez nunca se esclareçam de fato). Quando conheci a lenda de Gehenna não pude deixar de associá-la ao meu tormento pessoal, mas apenas especulações não bastariam para decifrar essa minha perturbação.
     Em 1847, quando voltava de uma caçada solitária, me deparei com um bilhete escrito de forma cuidadosa, deixado sob a mobília de meu refúgio. Algumas gotículas de sangue manchavam o papel, rasgado pela metade, pelo qual se podia ler a seguinte mensagem: “É chegada a hora de partir. Vou para um lugar remoto, longe das vilas Italianas em que vivi. Saiba que voltarei a procurá-lo quando chegar o momento certo. Esteja preparado, e nunca se esqueça: jamais deixe rastros de sua passagem, onde quer que você esteja”.
     Meu mentor partira e nem na hora da despedida contara-me seu nome. Antes de ir, ele esvaziou os próprios serviçais, dando a entender que eu teria de recomeçar do zero. Eu realmente não estava preparado para aquele dia. Durante dez anos fui treinado para esse momento, em que me veria sozinho e tomaria minhas próprias decisões, mas isso aconteceu sem nenhum aviso prévio. Eu era independente, e encarei isso como um presente.  Decidi então partir daquele refúgio, e criei o meu próprio, baseando-me nos ensinamento que tive.
     O tempo prosseguiu impaciente, e me mostrou que embora tivesse me dado bem na jornada solitária, precisava de ajuda. A dúvida que me incomodava, noite após noite, forçou-me a buscar respostas para explicar o que a lua que chorava sangue simbolizava. Se existia alguém no mundo que poderia me dar às devidas respostas a este questionamento, esse alguém era meu mestre. Por algum motivo desconhecido por mim, ele omitira muita informação à meu respeito. Essa omissão começava pela razão de minha escolha para o abraço amaldiçoado e passava pelo significado de minha paranóia lunática.
     Resolvi que se encontrasse meu vampiro criador, poderia livrar-me das perguntas torturantes. Mas como realizaria essa façanha? Naquele momento tudo o que possuía era um rosto gravado em minha memória. Nem sequer o nome daquele que procurava eu tinha. Sem chances de encontrá-lo, prossegui em meu caminho, esperando um contato qualquer por parte dele. Enquanto isso, eu seria livre e relevaria (ou pelos menos tentaria relevar) minha curiosidade interna.
...
     Os motivos que me levaram a Belo Horizonte são incertos. Parece loucura, mas cheguei sem ter nenhuma certeza de que encontraria nessa cidade as respostas que venho procurando há tanto tempo. Recentemente, nesse mesmo ano de 2011, ocorreu um fato estranho comigo, e foi esse fato que me levou a capital mineira. Como sempre faço nas noites de caça, deixei meus lacaios vigando minha morada durante o período de alimentação. Mal sabia eu que, naquela noite, eles de nada me serviriam. Quando voltei, meus serviçais estavam mortos. Sobre o chão, manchado de sangue, estava a metade de um papel rasgado. Recolhi. As letras que ali se faziam presentes deixavam uma mensagem estranha, na mesma caligrafia perfeita de quando fui “liberto”: “Além dos horizontes europeus, existe um lugar tão belo quanto o brilho dourado do raro metal que ali já existiu”.
     De súbito, lembrei-me do bilhete que me foi deixado em 1847, e verifiquei que até a rasgadura e as manchas sangrentas estavam presentes no papel recente, com se fosse uma continuação daquela mensagem. Era óbvio que meu criador estivera em meu refúgio. O que ele queria? E por que não me procurava diretamente? Tentei rastrear sua presença na cidade, mas ele não deixava rastros. Parti para o entendimento do novo texto, tentando relacioná-lo ao passado, feliz por estar perto de algo concreto sobre o paradeiro do meu mentor.
     Analisando o bilhete, e relacionando-o com o de 164 anos atrás, notei uma sutileza nas palavras que compunham as duas mensagens. No primeiro bilhete, já antigo, era evidente que meu mestre saíra da Itália e iria a um lugar desconhecido. No segundo, o recente, a relação foi ainda mais concreta. As manchas de sangue respingadas no papel tingiam de vermelho as palavras horizonte, lugar e belo. Deduzi que meu mentor estaria em algum lugar chamado horizonte belo, ou belo horizonte, ou estaria no horizonte de um lugar belo, ou a mensagem poderia significar uma infinidade de outras possibilidades.
     A seguir, examinei então a expressão “brilho dourado do raro metal que ali já existiu”, e concluí que o metal dourado era ouro. Logo, o lugar a que o bilhete se referia continha ouro, e talvez não contivesse mais. Cruzando as informações, foi fácil encontrar uma cidade no Brasil, chamada Belo Horizonte, atual capital do estado de Minas Gerais. Analisando o contexto histórico desse lugar, descobri que essa região do país perdeu grandes reservas de ouro para a colonizadora Portugal. Eu havia desvendado o enigma, e sabia onde procurar meu senhor misterioso.
     Agora que estava em Belo Horizonte, precisava encontrar meu criador. Ele era a única chance que eu tinha de decifrar os mistérios de minha paranóia com a lua cheia. Eu sabia que a tarefa não seria fácil. O malkaviano que me transformou podia simplesmente estar me testando ou jogando comigo (a demência inata do meu clã explicava essas teorias), e talvez ele nem estivesse nessa área do globo. Seja como for, esse lugar era o único indício de sua presença em 164 anos de busca, e eu precisava tentar encontrá-lo.
     O vento soprava forte. Voltei a fitar os humanos lá embaixo, na calçada do edifício alto. Um deles se distraía, vagando errante em seu caminho pela metrópole. Saltei, indo ao encontro do pobre infeliz.



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